Querido Jeremy
Hoje quando regressei a casa depois do trabalho não te encontrei. Deixaste o pijama em cima da cama como fazes todas as manhãs e a tijela dos cereais em cima do balcão da cozinha.
Sei que acordaste mais uma vez já atrasado para trabalhar e mal tiveste tempo de engolir à pressa os croissonts quentes que te preparei antes de sair e o sumo de manga que tanto adoras. Sempre foste muito desorganizado em todas as coisas que dizem respeito à casa, mas sempre me ajudaste com carinho quando te pedia ajuda com a roupa: enfiavas tudo dentro das gavetas, sem cuidado. Homens.
O teu trabalho sempre foi pra ti muito importante, mas nunca o colocaste á frente da nossa relação. Dizias: Quero ter filhos, quero casar. Um dia aceitei. Foi um dia lindo. Tantos amigos, a família toda reunída no imenso jardim para tirar as fotografias da praxe. Fiquei com tanto arroz no decote do vestido. Arroz e pétalas de rosa. Na minha opinião não é uma tradição estúpida. Quiseste casar na igreja e fiz-te a vontade. Fiz a vontade ao nosso sonho e foi um dia lindo.
Quando a nossa casa ficou totalmente pronta levaste-me até à soleira da porta de olhos vendados e quando entrei tinhas a mesa posta para dois e um cheiro a velas de baunilha na sala de jantar. O nosso primeiro jantar na nossa casa. Era inverno. Acendeste a lareira e colocaste almofadas no chão e assim ficámos, a ouvir a chuva cair até ser madrugada. Aquele velho CD de coldplay não parava de tocar a nossa música favorita: Cemiteries of London.
O nosso casamento foi perfeito. Posso dizer que te dei os meus melhores anos, partilhei contigo as minhas melhores virtudes e sonhos e nunca me arrependi do nosso "investimento". As nossas pequenas brigas não eram alarmantes e nunca adormecemos chateados ou tristes um com o outro. Sempre soubeste pedir-me desculpa, fazer-me esquecer as palavras menos agradáveis que me disseste uma ou outra vez. Ao teu lado tornei-me alguém mais tolerante e paciente. Antes de te conhecer vivia a vida como numa corda bamba: queria tudo e depois já nada me satisfazia. Quando surgiste na minha vida, naquele dia de sol, soube imediatamente que te queria. Soube que te queria definitivamente: passar ao teu lado todo o meu tempo e construir contigo um "palácio". Não daqueles que muita gente ergue num solo de areia, sem alicerces resistentes ao tempo, mas sim um daqueles indestrutíveis, com paredes grossas. Só para nós. Nunca fui uma pessoa egoísta, mas ao teu lado ganhei um instinto de luta, de guerra. Seria capaz de eliminar qualquer pessoa que se atrevesse a profanar o nosso castelo, as nossas muralhas e a roubar-te de mim.
Sempre achaste graça aos meus ciúmes saudáveis e eu sentia-me confortável como tua mulher, como tua amante.
Costumávas chegar sempre mais cedo a casa. Em dias mais atarefados encomendavas uma pizza, que chegava enquanto eu tomava banho. Comiamos com calma, à lareira, e contavamos as novidades do trabalho, comentávamos as últimas histórias dos nossos amigos. Depois de jantar, entre risos, lavavas a louça e eu costumava pintar as unhas todos os dias. Implicavas com esta minha mania e perguntavas porque tinha que pintar as unhas tão regularmente.
Odiávas o cheiro a verniz. Dizia-te que queria estar perfeita todos os dias e sorrias em jeito de aprovação. Não consigo esquecer os teus sorrisos de menino maroto, sempre à espera de um beijo, de uma carícia.
"Já és perfeita minha querida, e eu gosto de ti com ou sem verniz!", costumávas dizer enquanto acendias um cigarro.
Hoje quando cheguei e vi que não estávas,o meu mundo desabou. Procurei-te por todas as divisões, na escada do prédio, nos elevadores. Não te encontrei em lugar nenhum.
Quando o telefone tocou eu soube...
"Desculpe, é Mrs. Gable? Procure manter a calma. Houve um acidente. O seu marido..."
Tudo ficou escuro, não podia ouvir as vozes dos que entravam e saíam. Estava deitada no nosso sofá e os teus pais abraçavam-se no hall. Choros, gritos. Não conseguia perceber. Foi então que me lembrei...o telefonema, o som das sirenes.
Chorei. Senti-me pela primeira vez na vida, sozinha.
Há alguns minutos que parei de chorar e decidi falar contigo meu amor. Morreste assim, tão de repente. Nem te vi esta manhã, não te beijei.
Estou agora em frente à nossa lareira. Precisei ficar sozinha, pois sei que amanhã será um longo dia. Tantas coisas para preparar.
Sabes, sempre sonhei com o dia em que prepararíamos juntos a nossa festa de Bodas de Ouro, e no entanto vou preparar sozinha o teu enterro. O teu e o meu meu querido, minha vida. Sem ti não posso fazer nada, pois não tenho força.
Nem te disse amor...vais ser pai. Ias ser. Era o teu sonho, o nosso. Ia contar-te hoje, à lareira. Ia encher-te de beijos, e fazer um bolo de chocolate, daqueles que gostas. Iamos chorar os dois de felicidade.
E aqui estou eu, sem ti, à lareira. Preciso ser forte, tenho de o ser.
Sempre tua,
Jules
Vanessa Lopes
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2 comentários:
Ó minha baquinha... estou a ver que tens uma veia artística.. loli
tens de escrever um livro.. muahh
Não sou anonima..sou a nini loli
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